A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é admissível a realização de inventário e partilha de bens extrajudicialmente, por escritura pública, na hipótese em que todos os herdeiros são capazes e estão de acordo com o inventário. Para o STJ, ao interpretar a legislação sobre a matéria, a via judicial está reservada apenas para as hipóteses em que houver litígio entre os herdeiros ou algum deles for incapaz. Na hipótese, todas as herdeiras eram maiores e capazes, mas havia um testamento. Eram beneficiárias do testamento a viúva meeira e as filhas do falecido.
A discussão posta versa sobre o disposto no art. 610, caput, e §1°, do Código de Processo Civil de 2015. O art. 610 determina que: “havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial”. Em seu parágrafo primeiro, o referido dispositivo estabelece que “se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.” Para o STJ, há uma aparente contradição entre o caput do art. 610 e seu parágrafo primeiro, possibilitando duas interpretações: (i) haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, ainda que os herdeiros sejam capazes e concordes, interpretação que privilegia o caput do dispositivo; e (ii) haverá a necessidade de inventário judicial com testamento, salvo se os herdeiros sejam maiores e capazes, a partir da interpretação do parágrafo primeiro do dispositivo.
Ainda segundo o STJ, a primeira interpretação, literal, tornaria dispensável e praticamente sem efeito a primeira parte do parágrafo, na medida em que a vedação ao inventário judicial quando houver interessado incapaz já está textualmente enunciada no caput. Ademais, a restrição imposta legalmente, quando existir testamento, deve-se ao fato de que a prática demonstra que a interpretação dos testamentos suscita grandes divergências entre os herdeiros. Assim, a interpretação segundo a qual o testamento, em tese, impediria a realização de partilha extrajudicial, está fundada na percepção de que os testamentos são potencialmente geradores de conflitos entre os herdeiros. Desse modo, aliado ao argumento de que a legislação contemporânea tem estimulado fortemente a autonomia da vontade, a desjudicialização dos conflitos, tem-se que a via judicial deve ser reservada à hipótese em que houver litígio entre os herdeiros sobre o testamento que influencie na resolução do inventário. A 3ª Turma invocou ainda precedente da 4ª Turma do STJ autorizando a realização do inventário extrajudicial quando há testamento, desde que os herdeiros sejam capazes e concordes, exatamente no mesmo sentido do voto da relatora (STJ, 4ª Turma, REsp 1.808.767/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, j. 15.10.2019).
Nesse contexto, o STJ decidiu por dar provimento ao recurso interposto, uma vez que tanto a sentença, como também o acórdão do TJRS tinham entendido ser juridicamente impossível a homologação da partilha extrajudicial, em virtude da existência do testamento, sendo que a escritura extrajudicial poderia ser apenas considerada como mero ato preparatório ao inventário judicial à luz da literalidade do art. 610, caput, do CPC/15. Com tais fundamentos, o STJ entendeu que não haverá necessidade de inventário judicial, mesmo quando houver testamento, se os herdeiros forem capazes e estiverem concordes, justamente porque a capacidade para transigir e a inexistência de conflito entre os herdeiros afastam inteiramente as razões pelas quais se obsta a partilha extrajudicial. A decisão foi tomada por unanimidade, pela 3ª Turma do STJ, sob a Relatoria da Min. Nancy Andrighi, no REsp 1.951.456/RS, em julgamento de 23 de agosto de 2022. Acompanharam a Relatora os Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.